segunda-feira, 13 de julho de 2009

DIA INTERNACIONAL DO ROCK

No dia 13 de Julho de 1985 o músico Bob Geldof trouxe ao mundo o Live Aid, festival realizado na Inglaterra e nos EUA com o objetivo de angariar fundos para as vítimas da fome na Etiópia.

Mas a história do Live Aid começa um pouco antes, quando o tresloucado Geldof viu na TV - sempre ela - uma matéria sobre a fome na Etiópia. Reuniu-se à nata do mainstream britânico para formar a banda Band Aid, que compôs e lançou o single "Do They Know It´s Christmas?" em Novembro/Dezembro de 1984. O single chegou ao topo das paradas tornando-se o mais vendido da história no Reino Unido.

A ideia inspirou o saudoso Michael Jackson que fez, então, o aclamado "We Are The World", alcançando estrondoso sucesso no mundo todo, contudo, explorando um elenco mais pop.

A realização do milionário single e do festival Live Aid, que contou com a participação de um elenco de astros, incluindo, Paul McCartney, The Who, Elton John, Boomtown Rats, Adam Ant, Ultravox, Elvis Costello, Black Sabbath, Run DMC, Sting, Brian Adams, U2, Dire Straits, David Bowie, The Pretenders, Phil Collins, Santana, Madonna, Tina Turner, Eric Clapton, Led Zeppelin, Duran Duran, Bob Dylan, Lionel Ritchie, Rolling Stones, Queen, BB King, The Cars, The Four Tops, Beach Boys, entre outros.
A festa foi a maior reunião de estrelas do rock que o mundo já viu e, além de ser proveitosa pela ação de caridade, acabou por institucionalizar o dia 13 de Julho como dia internacional do rock!

Pra quem não sabe, Bob Geldof, além de ter tido a inspiração embrionária para o dia rock, atuou no filme de Alan Parker, "The Wall" com a trilha e o tema do Pink Floyd. E porque não comemorar o dia do rock, revendo esse clássico da psicodelia em película?

Lembrando sempre que: "Rock and Roll Ain´t Noise Pollution" e que "For Those About To Rock, We Salute You", Panacea Musicalis deseja a todos um feliz dia do rock!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

MOONWALKER





Com a morte do maior cantor pop de todos os tempos, o maior vendedor de discos de todos os tempos e certamente um dos artistas mais estranhos de todos os tempos, pululam artigos sobre Michael Jackson. O panacea não se calaria numa hora dessas. Apesar de Jackson merecer alguns minutos de silêncio, mais pelo lado comercial do que pela arte musical propriamente dita, sua memória deve ser laureada.

Toda vez que o clipe de Thriller ia ao ar na extinta TV Rio eu ficava com medo. Muito medo. Eu tinha lá meus seis aninhos e aquela gargalhada tão clichê quanto macabra que encerrava o clipe era realmente de arrepiar.

Lembre-se que o ano era 1983 e a MTV americana, no seu segundo pro terceiro ano de vida, via um clipe de 14 minutos, dirigido por um cineasta (John Landis, de Irmãos Cara de Pau, Um Príncipe em Nova York, entre outros) cativar a todos e ajudar vigorosamente o formato como fomentador da indústria fonográfica. Bombou na MTV? Bombará nas lojas. Se alguém duvidava que a TV pudesse cooperar na venda de discos, com o clipe de Michael Jackson as dúvidas deixaram de existir. Talvez seja assim até hoje.

Segundo a wikipedia, curiosamente, Thriller foi o primeiro clipe de um negro a ganhar espaço na MTV e também a primeira música de um negro a ser tocada numa rádio rock dirigida eminentemente ao público branco.

Barbada: Thriller é o disco mais vendido de todos os tempos. Não há consenso sobre o número exato e cópias vendidas, mas calcula-se algo em torno de 5o a 60 milhões, embora a Epic já tenha noticiado que essa marca ultrapassou o número de 100 milhões!

Depois de tão estrondoso sucesso deve ser difícil mesmo manter as estribeiras. Jackson que vivenciou essa coisa toda de quebra de tabus raciais, seguido de sucesso meteórico, veio posteriormente a padecer num misterioso processo estético de "caucasianização" até se tornar o monstro pop que todos conhecemos bem.

Naturalmente Michael Jackson não teve forças pra suportar a salada composta por uma infância difícil, saúde frágil, ser alçado a ícone da igualdade racial, sucesso internacional estrondoso e conta bancária ilimitada. Sucumbiu à pressão que vinha de todos os lados. Quis esbranquiçar; casou-se com sua enfermeira; depois, talvez pra contrabalançar sua imagem de popstar, casou-se com a filha única de Elvis Presley; fez clipe no Brasil, tendo a segurança garantida pelo narcotráfico pátrio; botou o filho pra fora da janela, todos disseram "ohhhh"; dizem até que comeu uns garotinhos, incluindo Macaulay Culkin. Vai saber...

Mas atire a primeira pedra quem nunca tentou o moonwalk! Quem nunca admirou seu jeito de dançar enérgico, sensual e sinuosamente sibilante! Quem nunca cantou uma de suas músicas? Quem nunca teve medo do clipe de thriller! Quem nunca parou pra ver qual seria o seu "new look".
Apesar de todos os dramas pessoais, da aparência literalmente bizarra e das polêmicas envolvendo a carreira de Michael Joseph Jackson, espero que fique a lembrança daquele menino negro dos Jackson´s Five, de voz doce e aveludada; do autor de "We are the World" ou mesmo do astro de Thriller, Bad, Billie Jean e tantos outros hits.

Que Michael possa finalmente caminhar na lua com a paz cintilante que jamais teve aqui embaixo.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O DÉBUT DOS DOORS


Havia alguns meses que o DVD estava lá empoeirando na estante. Trata-se da série Classic Albums, este sobre o disco de estréia dos Doors.

Essa série é fantástica. Consegue penetrar nos bastidores da criação do album de modo a tornar ainda mais atraente a audição do disco depois de assistir o documento em vídeo. Recomendo o Catch a Fire, do Bob Marley e também o Dark Side of The Moon, do Floyd.

Mas duas coisas me impressionaram na gravação desse disco. A primeira - que eu nunca havia reparado - é que a levada inicial da percurssão de "Break on Through" é pura bossa nova e o baterista John Densmore, coberto por desgrenhados cabelos grisalhos, diz isso com todas as letras. E não para por aí!

A inconfundível levadinha do baixo - cujas linhas eram buriladas nos teclados de Ray Manzarek - inspira-se em ritmos latinos e a fusão dessa toada de bossa nova e flamenco com a guitarra contida de Robbie Krieger mais a poesia e voz furiosa de Jim Morrison formam o caldo da música que apresenta os Doors para o mundo. Quem diria? Esse som, que nada tinha de bossa e tudo tinha de novo emplacou direitinho.

Aliás, uma correção. Por definição, "bossa" designa uma especial vocação para alguma coisa. E isso os Doors tinham! A bossa nova brasileira vem daí... uma espécie de nova e fértil inclinação para aquela música que nasceu nos apartamentos de Copacabana: suave e cantada baixinho. Por acaso Jim Morrison cantava baixinho? Creio que não.

A segunda curiosidade é que o microfone utilizado na gravação do disco (Telefunken U47) foi prontamente reconhecido por Jim Morrison como o microfone do Frank Sinatra, o que causou surpresa até ao produtor do disco. Sim, Jim Morrison era um admirador do Blue Eyes.

Pensando bem, sabendo-se que os Doors, originalmente ripongas de Venice Beach, eram letrados, alunos do curso de cinema e apreciadores efusivos de jazz, não é de se espantar que Sinatra fosse idólo de Morrison, não é mesmo?

E, assim como o ponto em comum entre a música de Frank Sinatra e a de Jim Morrison limita-se ao microfone; bem assim como a bossa nova para nos primeiros segundos de Break on Through; paro também eu por aqui de me aventurar a falar do que não sei. Quem quiser saber mais que vá ver o DVD. Está repleto de histórias interessantes nos extras (incluindo a análise da letra de Break on Through) e, dos que eu vi da série, é o mais interessante.

VOVÓ ONDINA EM ONDAS MÉDIAS*

Os Paralamas do Sucesso foram no Programa do Jô semana passada e contaram como tudo começou. Os músicos decidiram que o nome da banda seria o mais estapafúrdio dentre os sugeridos pelos membros da banda. A idéia de "Paralamas do Sucesso" foi de Bi Ribeiro. É de uma abstração genial. Segundo Ribeiro "Paralamas" é lindo porque tem muito "a", além de ter uma sonoridade forte, acrescentou Herbert Viana.

A entrevista fez parte da promoção do álbum de inéditas "Brasil Afora", além de ter divulgado os DVDs do show no Rock in Rio, em 1985 e também do lançamento em DVD de um programa em parceria com a Legião Urbana exibido nos anos 80 na TV Globo. Bom, não ouvi o disco e nem vi nenhum dos DVDs.

Fato é que o começo dos Paralamas guarda forte ligação com a Rádio Fluminense, já que a primeira fita demo dos caras foi apresentada à Maldita e, de suas ondas, ganhou o acolhimento do grande público.

Ao se referir ao episódio, Viana limitou-se a dizer que "apresentou uma fita demo numa rádio independente do Rio de Janeiro", de modo que não se pode compreender porque o "prurido" em não dizer o nome da Rádio que, junto com os shows no Circo Voador, foram tão importantes para a ascenção de um cenário rock tupiniquim como nunca antes havia existido.

Mesmo no livro BRock, do Arthur Dapieve, longe de ser um panfleto da Maldita, está lá com todas as letras: "As três músicas não censuradas foram enviadas para a Fluminense FM e encontraram abrigo na programaçao graças, sobretudo, à força dada pelo fotógrafo e DJ Maurício Valladares." Grande parte da verdadeira história da eclosão de um cenário rock brasileiro foi contada no livro "A Onda Maldita", de Luiz Antônio Mello, o qual dispensa comentários (o seguinte link, desatualizado, oferece material para quem quiser saber mais sobre as origens da Flu FM).

As três músicas, no caso, foram: "Vital e Sua Moto", "Patrulha Noturna" e "Encruzilhada Agrícola-Industrial". Esta última com direito à declamação da letra por Herbert Viana no decorrer da entrevista. A música censurada, chamava-se "Solidariedade Não" e basta dar uma conferida na letra pra entender o motivo da censura (o ano era 1982).

Apesar de ninguém ter perguntado, fica então, a quem interessar possa, esclarecida qual era a tal rádio independente mencionada pelos Paralamas no Programa do Jô. Faz parecer que o talk show global é muito mainstream pra ficar fazendo menção a ondas tão malditas.

Deixa estar... Até porque, entre mortos e feridos, Vovó Ondina (Malditina), bem sabem os Paralamas, sempre será gente fina

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 19 de Maio de 2009

IN(TER)DEPENDÊNCIA OU MORTE*

Quem está ligado na cena independente ou no programa da Maldita já deve ter ouvido o som de bandas das quais grande parte do público jamais ouviu falar. É reconhecidamente impossível manter-se plugado no ilimitado cenário independente, até porque a cada dia que passa surgem e desaparecem centenas de “bolas-da-vez”. Isso é uma característica dessa cena: ela não vai te procurar, você tem que ir atrás dela. Não sei se deu pra sacar, mas “procuramos independência, acreditamos na distância entre nós”! Nem sempre...

A democratização do acesso à esfera digital com a possibilidade e a facilidade de divulgação de trabalhos dos mais variados (literários, audiovisuais, gráficos, etc...) em sites como youtube, my space, tramavirtual, dentre outros, ampliou consideravelmente o raio de ação de profissionais das mais diversas áreas. Aliado a isso, o surgimento de softwares cada vez mais competentes em reproduzir o que antes só era possível por meio de equipamentos caros e inacessíveis a muitos, completou o processo de independência daqueles interessados na criação e publicação do seu trabalho, principalmente na área musical.

Em razão dessa interminável capacidade de “divulgação”, dá-se o que já cantava Raulzito décadas atrás: “é tanta coisa no menu que eu não sei o que comer” e assim, é preciso de alguma forma canalizar a atenção do público aproximando-o dos destaques da cena independente seja ela qual for. De toda forma, valerá sempre a velha máxima segundo a qual quem não tem competência não se estabelece.

Impotente de limites e balizamentos a grande rede continua dependente dos tradicionais eventos realizados no inevitável esforço de separar o joio do trigo, abrindo espaço e promovendo a saudável disputa entre bandas que têm o interesse comum de divulgar seus trabalhos. Sempre apoiados no bordão segundo o qual “quem sabe faz ao vivo”, completam a simbiose que acaba por promover a imediação entre o público e o artista.

Com a tripla função de divulgar (os participantes), filtrar os que se destacam (através das seletivas eliminatórias) e incentivar o campeão a seguir em frente, não podem deixar de ser levados em consideração como norte nesse caudaloso mar de sons, expectativas e talentos que espocam diariamente, seja nas garagens, nos estúdios ou em simples computadores pessoais.

Daí que o Maldita Futebol Clube, pegando carona nesse trem, na última segunda recebeu o pessoal do B.B. Handevu, vencedora do segundo Festival de Bandas Independentes (FBI), evento realizado no Rio de Janeiro entre os meses de Setembro a Novembro do ano passado e que contou com a participação de cerca de 70 bandas ávidas pela divulgação de seus trabalhos.

Do gargalo estreito do FBI, saiu um rock n´ roll swingado, carburado e cheio de ritmo, somado a ótimas letras, ora contundentes, ora irreverentes, sempre empolgantes, legitimando tanto a banda quanto o evento. O prêmio por ter alcançado o topo do FBI não é um troféu pra apodrecer na estante, mas o fomento ao trabalho árduo daqueles que se dedicam a fazer música de maneira quase artesanal: os caras ganharam a oportunidade de gravar na Toca do Bandido (estúdio de primeira linha onde foi gravado “O Silêncio Que Precede o Esporro” do Rappa) e contarão com a produção de Tomás Magno, que já trabalhou com nomes com Skank, Marjorie Estiano, Carbona, Detonautas e Lô Borges.

Entre as músicas da banda que devem entrar no disco, destacam-se a fervente e provável faixa título, “Que Rufem os Tambores” e “Bom Dia”, perfeita para ser o hit do verão 2009. Sucesso para o B.B. Handevu!

Então é isso, o Panacea ressurge do lodo espesso da putrefação pra deixar essa dica aí: B.B. Handevu! O trabalho da banda pode e deve ser conferido na meca do espaço independente, MySpace.com, bem como no Trama Virtual e em breve nas melhores e piores lojas do ramo.

*originalmente postado em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 16 de Janeiro de 2009

HEROÍNA*

“To all the kids with heroin eyes,
Don't do it, don't do it.
Because it's not not what it seems,
No no it's not not what it seems.”
Salvation (The Cranberries)

Acabo de ler “Uma Temporada no Inferno Com os Rolling Stones”, livro de Robert Greensfield que narra o processo de criação de um dos mais cultados e controversos álbuns da banda (Exile on Main Street). Reunidos numa suntuosa mansão em Villa Nellcote, na Riviera Francesa, os Stones - mais especificamente Keith Richards – e seus amigos, vão mais abusar de tudo aquilo que “altere a percepção” do que propriamente gravar um disco. Está tudo lá no livro, sem censura.

Segundo a Wikipédia, “A heroína ou diacetilmorfina é uma droga opióide natural ou sintética, produzida e derivada do ópio, extraído da cápsula (fruto) de algumas espécies de papoula”, mas diversos dos mais geniais artistas de quaisquer gêneros musicais a definiriam de outra forma.

A droga (heroína, metadona ou morfina) levou para a cova muita gente boa. Da música maldita enterrou, dentre outros, Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Dee Dee Ramone, Johnny Thunders (guitarrista do New York Dolls), além de Sid Vicious - que apesar de não ser lá essas coisas todas com o instrumento entra na lista pelo carisma e pelo folclore de sua indomável pessoa.

Do lado “sofisticado” da música, ninguém menos que Billie Holiday morreu aos 44 anos por overdose de heroina. Embora não tenham morrido de overdose, Charlie Parker, Ray Charles e Chet Baker, entre inúmeros outros jazzistas de reconhecida expressão e talento, tiveram sua vida e carreira afetadas pela droga, o que pode ser constatado nos filmes “Bird” e “Ray”, bem como no livro “Memórias Perdidas”, respectivamente sobre cada um dos músicos. Também o saxofonista John Coltrane teve problemas com a heroína. Na improvisação do jazz a substância era tida como o elixir da criatividade.

Por outro lado, não fosse a fuga de Stan Getz das drogas, jamais teria conhecido a bossa nova de Tom Jobim e João Gilberto, o que lhe rendeu alguns álbuns em parcerias com músicos brasileiros ou com canções destes (relançados num box intitulado The Bossa Nova Years), dentre os quais o imperdível Getz/Gilberto. No Brasil a droga jamais chegou, talvez pelo alto custo e pelo poder destrutivo, o que a torna "comercialmente" inviável.

Recentemente, a editora Larousse lançou por aqui o livro do baixista do Mötley Crue, Nikky Sixx, cujo título fala por si: "Heroína e Rock N` Roll: Diário de um ano devastador na vida de uma estrela do Rock". Esse eu ainda não li. Apesar de ter curtido o Crue durante algum período de minha adolescência perturbada, em termos de bastidores prefiro assistir os vídeos caseiros de Tommy Lee (baterista da banda) trepando com Pamela Anderson (ela mesma!) a ler um livro de 400 páginas para saber como foi duro para Nikky Sixx livrar-se do vício.

Hoje, Amy Winehouse continua sua batalha contra as drogas, entre elas a heroína, que a cantora afirma jamais ter injetado, só inalado. Básico. Quem viu Pulp Fiction tem uma ideia do que pode acontecer com a incauta inalação de heroína. Parece que, enfim, ela deixa de brandir "no no no" para a "rehab"...

Diversas músicas foram gravadas tendo a droga como referência. Ora de forma velada, ora explícita, deixam ver a relação entre o vício e o viciado, por assim dizer. Lou Reed canta a fuga da realidade em “Heroin”. Já Dee Dee Ramone, foi menos explícito em “Chinese Rocks”. Há quem diga que “Brown Sugar”, dos Stones, seria uma homenagem à droga, mas talvez seja apenas inocentemente dedicada a mulatas sensuais. Algumas músicas do Nirvana, como "Pennyroyal Tea", são vistas como metáforas sobre a heroína, já que Kurt dava seus picos com certa regularidade.

Seja lá como for, a heroína, por seu efeito drástico e devastador, mais do que qualquer outra droga, deixou sua cicatriz no mundo da música, mais na vida dos músicos do que na música em si. Segundo Keith Richards, “...a heroína é o grande lance. (...) Coloca todo mundo no mesmo lugar. Sou um megaastro, mas quando quero a parada, rapaz, fico no fundo do poço como todo mundo.”

Pra fechar essa overdose verbal, vale destacar um trechinho de “Coração Envenenado”, auto-biografia de Dee Dee Ramone, que bem demonstra o poder da agulhada ao narrar uma experiência com Sid Vicious:

“Sid tirou do bolso uma seringa horrível, com sangue endurecido na agulha. Dei a ele um pouco do speed e ele botou na seringa. Aí colocou a seringa na privada e puxou água para dissolver o speed a frio. A água estava cheia de vômito, mijo e ranho. Sid não parecia ver nada de anormal naquilo. Parecia que sua principal preocupação era se injetar e que estava disposto a qualquer merda por aquele pico. ‘Agora já vi de tudo’, pensei. (...) Quando percebi, Sid estava no chão, tendo convulsões. Uma espuma verde saía da boca dele. Os olhos estavam quase pulando para fora da cabeça. (...) No dia seguinte encontrei Sid. Os Sex Pistols estavam tocando perto de Londres, num teatro deprimente em alguma faculdade...”

Como se vê, para alguns, e pelo menos por algum tempo ainda, a vida continua. Sid morreu no dia 2 de Fevereiro de 1979, após uma festa pra comemorar sua saída da cadeia. Ele tinha 21 anos e foi vencido por aquilo que carregava no próprio nome, o vício

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 23 de Janeiro de 2009

VERÃO DIET SHIT*

As chuvas assolam o Brasil de norte a sul. O Sol não está lá muito assíduo. Mas “já é verão e a cidade ferve, my brother”! No elevador há sempre espaço para protocolares diálogos sobre o tempo, aproximando as pessoas...

Nos dias de calor em que o astro-rei dá as caras, as praias ficam cheias de gente e vazias de roupa. O “calor no coração”, a “bundinha toda de fora”, o “topless na areia” que faz virar sereia são alguns dos signos dessa estação atrelada à paranóia da saúde e da boa forma física. Esses hits de verão devem mesmo soar diferentes dependendo dos tímpanos nos quais penetram. Explico.

Creio ser impossível que, por exemplo, “corpos malhados, sorridos talhados, só flerte, só fé (...) é um chamego divertido, um clima meio libertino, do sol, de sal, de mar” soe para a galera da saração da mesma forma que é sentida por aquele gordinho que acabou de almoçar o seu bigmac com fritas.

E que tal aquela “da garotada favelada suburbana de shortinho, de chinelo sem camisa, carregando sub-uzi equipadinha com cartucho musical de batucada digital”? Não foi feita pros
pecadores da gula mesmo!

Como eu também tenho lá as minhas desinteligências com a balança, valho-me da esteira da academia pra tentar ouvir essas músicas com alguma satisfação. Daí porque no MP3 de fé, irmão camarada sempre vão musiquinhas motivantes como as acima citadas e também algumas mais intensas pros piques de alta performance.

Uma que me faz ir além e que foi a inspiração desse texto tem o selo de qualidade dos Ratos de Porão. Só mesmo João Gordo pra traduzir com tanta fidelidade não o verão, mas esse fardo de carregar consigo o peso (literalmente) de guloseimas e a pressão global pra ficar no shape do verão:

Com a letra de “Diet Paranoia”, despeço-me alertando: essa não é uma canção anti-verão, absolutmente. Serve tanto de incentivo quanto de crítica praquela tendência global de ficar no "shape do verão". Você decide:

“Hey, you fat clown/ Don´t you think it´s time to lose some pounds?/ Feel the agony/ I´m a freak in the eyes of society/ I need your help, my babe/ Please, please don´t let me down/ Gimme some pills, my baby/ My hunger is back again/ Fear in my life/ Calories and lard are my sweet dreams/ All your Diet shit, shit!/ Makes me Feel, really fucking sick/ Amphetamines/ To make you think thin/ I go to weight watches/ I drink my slim fast/ The diet paranoid/ Destroying me and you/ Why do you sell me this trash?/ I´d rather sniff cocaine/ Hey, you fat clown/ Feel, feel the agony/ Fear in my life/ All your diet shit!!!”

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 31 de Janeiro de 2009

COR DA PELE, F***-SE!!!*

Atendendo ao pedido do rapper Xis e seu 4P (Poder Para o Povo Preto), com o apoio de mais de cinqüenta mil manos, de Mano Brown, passando por Alcione, ao eterno negrão engajado Netinho, o Tio Sam sucumbiu ao sorriso simpático de Barack Obama, fazendo dele o “primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América”

Se a cor da pele fosse o mais importante pra marcar essa inegável ruptura com a política Bush, melhor seria eleger a popular Oprah Winfrey. Já que, além de ter a pele negra, é mulher. Ou, quem sabe, a Condoleezza Rice? Que, ainda por cima (sem duplo sentido), é feia. Mas certamente um dia chegaremos lá!

Chistes à parte, o Panacea não podia ficar calado diante desse fato histórico. É o ponto final (será?) de uma trajetória de sangue e de luta... É o fim do triste “Tomorrow” (soundtrack de Quando as Metralhadoras Cospem): “Tomorrow never comes (...) Tomorrow's far away, Tomorrow, as they say, Is reserved for dreams”. A vitória de Obama é o despertar absoluto do sonho de Martin Luther King Jr. e de milhões de americanos. Negros ou não.

Hoje, tenho a absoluta certeza de que corretos estão os historiadores que afirmam ser um equívoco chamar o negro americano de "afro-americano". Seria reduzir-lhes a história de luta. A história desse povo oprimido deixou de ser a dos negros africanos desde o eclodir da guerra de Secessão, para se tornar outra, independente, única e marcante. Seja na luta pelos direitos civis, seja nas artes, e em especial na música como essa coluna já destacou, o negro americano está cravado na história dos EUA de maneira indelével.

A ascensão de Obama ao poder, ao mesmo tempo em que coroa de glória a história do negro norte americano, inicia outra etapa: meta-racial. Para além da cor da pele, há que se olhar adiante com os olhos de quem não enxerga na cor da pele qualquer motivo para a diferença. Isso, doravante, há de ser irrelevante. E já nem mesmo foi explorado na vitoriosa campanha do democrata eleito.

Curiosamente, a KKK (Ku Klux Klan) e seus estúpidos WASPs (White Anglo Saxon Protestant) manifestaram-se após a eleição de Obama. Afirmaram, curiosa e recalcadamente, num misto de cinismo e revolta, que Obama não é negro, mas “metade negro”. Mulato, uma vez que foi domesticado por sua mãe branca. Daí se vê a quem interessa esse debate racial daqui pra frente.

Ao auto intitulado "Grande Cavaleiro da Ku Klux Klan", Thomas Robb, de onde partiram as imbecilidades acima descritas, o Panacea dedica um trechinho de uma canção do Rappa. Uma música que, segundo consta, foi inspirada no Marcinho VP do Morro Dona Marta (aquele retratado no livro Abusado, do jornalista Caco Barcellos) e que fala da miscigenação de um certo "Homem Amarelo".

Para que não haja dúvidas, não estamos a dedicar ao KKK uma singela canção. Mais especificamente, dedicamos aos molóides aquela enfática inserção à letra, como executada no Acústico MTV, de preferência em alto volume e na voz rouca e furiosa de Falcão, que diz mais ou menos assim: “Cor da pele, foda-se!!!"

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 12 de Novembro de 2008

THERE´S NO BUSINESS LIKE SHOW BUSINESS*



Hoje de manhã dei de cara com a revista do Globo em cima da tampa da privada. A matéria de capa é sobre a profissão de olheiro. A reportagem traça um panorama dos caça-talentos “num tempo em que todo aspirante a modelo, ator, músico ou jogador de futebol tem um vídeo no You Tube, uma canção no My Space ou um perfil no Orkut”. E acho interessante trazer um recorte dessa profissão tão necessária à “indústria cultural” numa perpectiva PANACEA anterior à existência de um mundo virtual, no qual se inclui a blogosfera.

Tupã Gomes Correia - em Rock - Nos Passos da Moda, constata que as manifestações sociais que têm na música uma maneira de difusão e identificação (citando os movimentos hippie e punk) acabam sendo digeridas pelo eficiente sistema capitalista e invariavelmente transformadas em produto. Numa engrenagem em que tudo pode ser “editado” para transformar-se em objeto de consumo, os olheiros assumem papel fundamental atuando no primeiro degrau do trinômio seleção, padronização e serialização.

Não é uma profissão contemporânea. Lá pelos anos 60, havia quem fosse pago pra fazer a ponte entre o que rolava nas ruas e os executivos das gravadoras, filtrando o que era considerado cool. Danny Fields descolou um contrato com os seus patrões da Elektra Records para ninguém menos que o MC5, Iggy Pop e os Stooges.

“Contrataram alguém de baixo nível que usava calças boca de sino, fumava baseado e tomava LSD no escritório – eu.” Definiu-se Fields pros autores de Mate-me Por Favor - Uma História sem Censura do Punk. O cara conviveu com os Ramones, os Doors, Andy Wahrol, Lou Reed e os Velvet Underground, dentre outros.

Aquilo - que, tempos depois, acabou por ser editado pelo mercado - teve suas formas mais nuas e rudes no som daquelas bandas. Numa época em que a idéia de algo como a internet seria, no máximo, uma viagem de ácido, Fields tinha de estar imerso naquele caldo espesso que veio a ser chamado de punk. Não foi a insanidade dos artífices daquela música que o impressionou. O que falou mais alto até do que a enérgica performance de artistas como Iggy Pop foi o som mesmo daquelas bandas. Não era rock n´roll, nem o blues de brancos, estava longe de ser o jazz fusion, em voga na época. Era outra coisa. E era cool. O resto é história. O mundo seria diferente se não fosse o garimpo desses olheiros.

De outro lado, o primeiro disco do Velvet Underground and Nico, foi nitidamente um projeto da turma de Andy Wahrol e sua pop-art. A estonteante Nico - muito mal comparando**, uma espécie de Loura do Tchan dos anos 60 - tinha que estar no nome da banda (algo como É o Tchan e as Sheilas) e cantar em algumas faixas, deixando o principal por conta dos verdadeiros artífices do som do Velvet, capitaneados por Lou Reed. Lou era a alma da banda, mas era meio sem graça na perspectiva de Wahrol. Não era cool. Embora não tenha sido um sucesso de vendas, em 2003, o disco foi eleito o 13.º na lista dos 500 maiores álbuns de todos os tempos da revista Rolling Stone. Wahrol e seu séquito, mais do que olheiros, eram visionários.

Com o tempo, o mercado se encarregou de colocar os discos dos Stooges nas prateleiras de rock das lojas, a capa do disco do Velvet em primeiro na lista da revista Bizz para as cem melhores capas de todos os tempos (2005) e o penteado moicano na cabeça de "punks fundamentalistas", como Léo Moura.

Exatamente como Tupã constatou, “tudo volta a ser como antes. Menos uma coisa: as letras das músicas anteriores. Elas continuarão a ser um registro e algo que não foram sequer no tempo de sua criação: um espelho das suas insatisfações, das angústias, das ansiedades e a história expressiva da geração que os produziu”.

Pra se ter mesmo uma idéia do que realmente rolou do meio para o final dos anos 60, para além dos rótulos que o mercado forjou, só mesmo estando atento às letras como as de “No Fun” ou “1969” dos Stooges; ou “Heroin”, de Lou Reed e seu Velvet Underground; ou ainda "Now I Wanna Sniff Some Glue", e "53rd & 3rd Street", ambas de Dee Dee Ramone. Barra pesada.

Os olheiros estão aí pra isso, atuando discreta e fundamentalmente na ponta do processo de editoração da indústria cultural. Caçando talentos. Ora limando-lhes a identidade, ora agasalhando-a integralmente, mas sempre para transformá-los em produto. Enquanto isso, os verdadeiros responsáveis pelo nascimento de seja-lá-o-que-for, paulatina e sistematicamente vão sendo descartados na medida em que sempre há outra bola da vez na na mira.

Na música, ao menos, resta a esperança de que as letras mantenham-se livres dos impiedosos tentáculos do mercado. E de que a força de seus discursos - ainda que autobiográficos e rasos - venha sempre a resgatar a humanidade arrancada, colherada a colherada, no processo iniciado pelo assédio magnético e dissimulado dos olheiros. Mas para o show business toda a palavra não é mais do que mera panacéia. O som da caixa registradora só não fala mais alto do que o estampido de um tiro. Será?

**A biografia de Nico, a começar pelo apelido que lhe foi dado por Andy Wahrol (anagrama de Icon), é incomparável com as de Carla Perez ou das Sheilas. Confere só: http://smironne.free.fr/NICO/bio.html

Fotos: À esquerda: Léo Moura. À direita: Kurt Cobain.

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 8 de Setembro de 2008

O PRIMEIRO DISCO A GENTE NUNCA ESQUECE*


Não lembro quantos anos eu tinha. Talvez uns seis, no máximo oito, o que corresponderia ao ano de 1984 ou 1986, por ali... Lembro-me de ter admirado o KISS, que passou pelo Brasil em 83. Aquelas caras pintadas aliadas ao som “diferente” exerceram em mim algum tipo de fascinação.

Bom, estamos então nos idos de 1984 e eu era apenas uma criança que gostava de brincar de playmobil. Um dia entra no quarto um cara dizendo que tinha um presente pra mim. O cara era o então namoradinho da minha irmã: “Ricardão, esse é pra você!”

Parêntese. Como toda criança, eu adorava ganhar presentes. Eu gostava tanto, que pedia pra minha mãe embrulhar os brinquedos antigos em papel de presente e me dar de novo. Várias vezes. Era sempre aquela emoção! Fecha parêntese.

Dessa vez o presente não era um playmobil. Era um disco. Fosse um CD, o episódio não teria o mesmo impacto, ainda mais com aquela enorme capa sangrenta (imagem). “If You Want Blood, You Got It” – AC/DC. Lembro do cheiro peculiar daquele disco. Estaria mentindo se dissesse que o coloquei pra tocar na hora e me apaixonei de imediato pelo som daqueles poderosos riffs de guitarra, mesmo porque eu era proibido de mexer no som - um 3 em 1 da Polyvox – mas a lei foi feita pra ser quebrada. Até então a trilha sonora de minha infância solitária (sem qualquer pieguice – sou temporão, meus irmãos são 11 e 12 anos mais velhos) era composta pelas músicas do Balão Mágico.

É. Um dia, porém, eu peguei a bolacha e botei pra tocar. Antes desse disco, eu nem ligava pro som, ouvia os discos da musa Simony e olhe lá. Depois dele, contudo, passei a fuçar os discos dos meus irmãos em busca daquele som diferente (agora sem as aspas). O critério de seleção era inocente: a capa. E a partir daí eu já não “tinha” mais só os discos do Balão Mágico.

Valendo-me desse critério precário (mas, de certa forma, eficaz em se tratando de rock and roll) topei com "Uns" (é ver a capa e descartar) e uns outros do Caetano Veloso, coletâneas de Nelson Gonçalves, discos de cantoras que iam de Amelinha a Maria Bethania, mas também com coisas de raro apuro, como Camisa de Vênus e Black Sabbath!

Certo. Todos vão concordar que, se o critério de seleção era a capa, impossível não ficar magnetizado pela de Sabbath Bloody Sabbath, assim como fiquei quando ganhei de presente aquele disco que mostra Angus de gravatinha perfurado pelo braço da guitarra. Do outro lado, na contracapa, o guitar hero de bruços com o mesmo braço de guitarra fincado em suas costas, deixando ver que o instrumento transpassara seu corpo. Igualmente sinistra é a contracapa desse disco do velho Sabbath que a exemplo de "Blood" também dialoga com a capa.

“Sabbath Bloody Sabbath”, quinto disco dos pais do metal, além das já citadas capa e contracapa, além da faixa título traz pérolas como a romântica (só na letra) Sabba Cadabra, que conta com a participação do tecladista Rick Wakeman, do Yes, apesar da faixa não passar nem perto do que se costuma chamar de rock progressivo.

“If You Want Blood, You Got It” – AC/DC, apesar de ter sido o meu primeiro disco, foi o último disco com Bon Scott (me amarro no Brian Johnson, mas o Bon é melhor – perdoado o trocadilho) e reune músicas dos primeiros discos da banda australiana num show gravado em 30 de Abril de 1978, em Glasgow, Escócia. Destaque para The Jack, quando Scott pergunta à platéia: “Any virgins in Glasgow?”, isso é a cara do AC/CD. Enquanto o disco novo não sai – Black Ice tem previsão de lançamento para o dia 20 de Outubro deste ano – ouçamos os clássicos dessa fantástica banda.

O primeiro disco a gente nunca esquece, ainda mais quando ele abre as portas para um mundo novo. Consciente ou não, aquele cara - enxadrista de mão cheia e, se não perverso, no mínimo capcioso - acendeu o pavio e o rock and roll passou a morar lá em casa. Volumes ainda tímidos, pra não esculhambar. Mas algum vizinho pediria pra aumentar...

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 23 de Agosto de 2008

CRIME E CASTIGO*

Nos últimos dias o Brasil acompanhou o cárcere privado da adolescente Eloá, vitimada pela fúria afetiva do ex-namorado/namorado (quem o saberá?) Lindberg.

Um episódio lamentável e uma reação absolutamente reprovável por parte do sequestrador.

Já ao longo do sequestro, pensava que as histórias de amor clássicas sempre envolvem casais com nomes, no mínimo, exóticos. O caso recente não representa exceção a Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, por exemplo. João e Maria, só em música de Chico Buarque; uma fábula. Não tem nada a ver com "A vida como ela é..."

A notícia reproduzida ad nauseam. A extraordinariedade do fato, revelando como sentimentos compartilhados por todos podem levar a atos inconsequentes, parece ter despertado a atenção dos rejeitados contemporêneos a Lindberg. Ocorreu pelo menos mais um sequestro nointerior de São Paulo. Neste não houve vítimas e tudo foi resolvido em meras 8 horas. Não é notícia.

A cobertura jornalística vai evanescendo até se limitar a informar pontualmente o resultado do julgamento do acusado. Passado o esforço policial virá o judicial. Tarde, mas não falho, alguns dirão. Esquecendo que a realidade está tão distante dessa tardança, quanto os casais de contos de fada.

CORAÇÃO SEQUESTRADO
Composição: Marcelo Nova

"Três e quinze da manhã e eu aqui
Algemado por lembranças, que sempre impedem de fugir
O meu coração seqüestrado , cujo resgate não foi pago
Ninguém nunca o encontrou

Quando bebi da sua lágrima eu me afoguei
Quando comi da sua carne, fui devorando e nem pensei
No seu coração amedrontado,
Por alguém que lá no passado
Um dia o apunhalou

E a chuva que cai sobre as nossas cabeças
Não faz com que a gente esqueça
De achar que sempre há um sentido
Que nem tudo está perdido"

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 19 de Outubro de 2008

GOGOL BORDELLO*
















A noite vai caindo, cantaram o parabéns já faz mais de uma hora, a cerveja acabando, todo mundo indo embora e os últimos sobreviventes decidindo o que fazer dali em diante: “…parado não dá pra ficar…” diriam os filósofos do pop pátrio.

No mesmo tom, sabia que “Sábado à noite tudo pode mudar.” Insuflado por canções inspiradoras do nível das mencionadas, fui dar no Tim Festival, já meio contrariado, depois de uma tarde de intensas libações alcoólicas.

in loco e meio louco, a inevitável fila andava vagarosa. Em seu lento escoar bovino, a massa humana, na recidivante-espectativa-de-fim-de-semana, adentrava as instalações do evento.

Pois muito bem. Tudo “super”. Coisa muito modernosa. Decoração de conteúdo vanguardista e gosto duvidoso. As celebridades da ocasião eram disputadas a tapa por “papa-rasos” sempre a postos para espocar o flash ao menor sinal de presença de algum starlet global. Os figurinos dos passantes iam do clássico ao “transbordante” num virar de pescoços. A meu ver tudo muito pseudo-tudo.

Súbito. Barulho. De repente começa um show numa das diversas tendas. A massa é atraída pelo som. No palco, o Gogol Bordello, banda nova-iorquina formada por não americanos (Ucrânia no gogó; Rússia no violino e no acordeão; Israel na guitarra; Etiópia no baixo; um China, Tailândia e Equador na percussão; um japo-romeno noutro acordeão; EUA só na bateria), cujo nome é uma fusão do pensador russo Nikolai Gogol com a palavra bordel não me pergunte em que língua!

Só vim saber o nome da banda, depois do show. Na hora, impossível não ficar magnetizado pelo cara do microfone: uma mistura de Borat com Iggy Pop, com um moustache negro de dar inveja ao Barão do Rio Branco! Que p*** é essa? - indaguei aos colegas.

O som alto era incompatível com a acústica do local, dificultando a compreensão do idioma em que eram cantadas as músicas. Mas era evidente que não se tratava de mais uma american punk rock band, nem nada emo, nem nada cool, nem nada fashion... enfim, nada ordinário.

Lembro de pensar: isso é um caldo de Clash, com Gipsy Kings, somado a algum ska, reggae, pitadas de baião e coloridos de Manu Chao, tudo permeado por uma atitude nitidamente punk, a não ser pela preocupação performática, muito embora sem qualquer polidez. Desconfiei de mim mesmo, já que tudo diferente, rápido, loud e desleixado sempre acaba por soar meio punk.

Impactado pela apresentação, cheguei mesmo a dar uns passinhos animados e a “bater na palma da mão” só pra interagir e ver qual era... Bem ao meu lado, adolescentes vestidos de pirulito pulavam freneticamente, em franca demonstração de que não é só o Araketu que, quando toca, deixa todo mundo pulando que nem pipoca! É de Gogol a frase: "Sei que meu nome será mais feliz que eu." A depender da empolgação dos teenagers, ele tinha razão...

Não vi o show todo. Cinco ou seis músicas depois, o calor e a sede me expulsaram do panelão, de onde saí com a certeza de que valeria um “confere” mais atento no som dos caras.

Qual não foi minha surpresa ao constatar, no dia seguinte, que os Gogol dão ao som o rótulo de gypsy punk e que, no myspace, a indicação das influências é encabeçada justamente pelo Clash. (Será que eu levo mesmo jeito para o colunismo musical?!) Eu já tinha ouvido falar no acid pagode e no funk progressivo, e já nem me espantei quando vieram falar de um samba de copa, um contraponto ao samba de raiz, muito em voga atualmente. Mas gypsy punk pegou na veia!

O fato é que o evento valeu pelo Gogol Bordello. Conferir não será perda de tempo. A banda confirma que o futuro da música está inevitavelmente apoiado na fusão de estilos e, longe de soar como mais do mesmo, apesar de terem se reunido e começado em Nova York em 1999, o Gogol desloca os holofotes para longe da America, seja pelo nome da Banda, seja pelas influências sonoras, seja pela origem etnográfica de seus membros.

Se tem futuro a banda eu não sei, mas dissera Nikolai Gogol: "A única coisa que vale a pena é fixar o olhar com mais atenção no presente; o futuro chegará sozinho, inesperadamente. É tolo quem pensa no futuro antes de pensar no presente."

Voilà!

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.com.br em 29 de Outubro de 2008

GUETOS*

Nada de estranho em haver, numa cidade portuária como a New Orleans - LA do final do século XIX, um bairro destinado à prostituição. Em algum dos mais de trinta quarteirões de Storyville a música, além do sexo, era presença garantida. Os inúmeros prostíbulos tinham sempre um piano pra animar os fregueses e o revezamento dos músicos fez florescer os ritmos que resultaram daquela mistura de experiências. As manifestações culturais tipicamente negras de Congo Square ganhavam eco em Storyville.

Situada em posição geográfica privilegiada (às margens do Rio Mississipi), New Orleans catalisou a influência de instrumentistas que chegavam de todas as partes: Mississipi, Texas, meio-oeste, costa leste e até da Califórnia. Esse caldeirão cultural credenciou à cidade o título de berço do Jazz, ainda mais considerando que Louis Armstrong - um de seus seminais expoentes - nasceu do ventre de uma das prostitutas que alegravam a noite de Storyville.

Storyville foi “lacrado” em 1917 em razão do aumento da criminalidade no local, servindo também para dar o exemplo à América que enfrentava a Primeira Grande Guerra. Sem espaço para tocar, os caras acabaram tendo que subir o Mississipi.

A industrializada Chicago, dona da maior malha ferroviária do mundo, foi o destino de muitos dos músicos vindos do Sul em busca de oportunidades. Repleta de cabarés e boates, as casas eram animadas pela música de artistas que incrementavam o consumo ilegal das bebidas alcoólicas, para alegria dos contrabandistas, que acabaram lucrando com a Lei Seca dos anos 20.

Mas foi em Nova York que se concentrou a indústria do entretenimento nos EUA. E para lá rumaram os artífices do que seria reconhecida como a música popular americana, em grande parte concebida pelos negros.

Especificamente em Tin Pan Alley - um trecho da Broadway onde se situavam as principais editoras musicais de NYC – se produzia, gravava e vendia a música daqueles que antes animavam os antros de Storyville e de Chicago. A música parida no “Beco da Panela de Lata” foi notável tanto do ponto de vista comercial como da própria cultura americana, com algumas gravações alcançando a casa dos milhões de cópias vendidas.

Claro que a música acolhida pelo mercado não tratava das dificuldades vividas pos vários de seus artífices. Os temas rentáveis cantavam um falso estado de coisas; uma América de paz, harmonia e prosperidade – ideal para os consumidores esquecerem de seus problemas pessoais. O que era ótimo para os empresários, mas apenas "bom" para os músicos, estes mais preocupados em se alimentar e aqueles em enriquecer.

Em contraste com as letras que se traduziam em cifras, o clima de Tin Pan Alley não era muito dissonante dos bordéis de New Orleans e das enfumaçadas dance houses da Chicago de Al Capone.

A letra do blues “Tin Pan Alley”, escrita pelo editor musical Bob Gedding, gravada originalmente em Maio de 1953 e imortalizada pela guitarra de Stevie Ray Vaughan dá a noção do que rolava (não muito) longe dos gravadores dos predinhos da West 28th Street, entre Broadway e a Quinta Avenida: "Alley é o lugar mais inóspito no qual já estive. As pessoas que vão lá matam e morrem por whisky, vinho e gim" (tradução livre)

Vale a pena conferir a versão de estúdio, do álbum Couldn´t Stand the Weather e a - rica e intensa - versão ao vivo, do álbum In the Beginning. Embora este tenha sido lançado em 1992, traz um show de 1980 (em Austin, Texas), antes mesmo de Vaughan gravar seu primeiro disco, Texas Flood (em 1983).

Pois é. O tempo se encarregou de mostrar que os lugares mais inóspitos e marginais, injustamente tidos como sinônimo de esterilidade cultural, em verdade serviram de terreno fértil à formação de muito daquilo que hoje nos chega aos ouvidos. Seus recônditos bares acolheram instrumentistas das mais variadas origens, formações e influências.

Não há exagero em dizer que, do underground ao mainstream, devemos tudo à “vida bandida” daqueles que apontaram os holofotes da história para esses bairros malditos, valendo-se apenas da transcendência inspirada de seus instrumentos mágicos.

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com

AS ASAS DA LIBERDADE*

Won't you help to sing these songs of freedom? 'Cause all i ever have: redemption songs”. Os preciosos versos de Robert Nesta Marley tratam da música como forma de aliviar a dor de ser arrancado a fórceps de sua África natal e distribuído ao novo mundo reduzido à condição de ferramenta, escravo.

Os colonizadores da América do Norte receberam negros oriundos de regiões situadas ao norte da África - hoje Senegal, Congo e Gana, entre outros - enquanto a "nós" da America Latina couberam os negros vindos de regiões mais ao sul do continente africano, onde hoje situam-se países como Moçambique e Angola. Toda a mão-de-obra escrava, já em suas terras de origem, usava a música como forma de transmissão oral de sua tradição cultural e, agora, na condição de escravos, sua musicalidade convertida em “peças de resistência” trazia alivio (ao menos ao espírito) ao exaustivo trabalho com a usual entoação de work songs, cantadas em uníssono por escravos nas condições ilustradas pela imagem acima. O filme "E aí, meu irmão cadê você?" dá uma idéia de como isso ocorria.

Curioso é que, mesmo nas folgas, a rigidez da colonização protestante britânica proibia os escravos da utilização de instrumentos de percussão e sopro, temendo que pudessem (e poderiam!) ser usados como forma de arregimentação de escravos acabando por oxigenar indesejáveis rebeliões. Já a colonização católica latina, não proibira a batucada dos escravos, desde que o fizessem reservadamente. Isso, aliado a outros fatores, fez com que lá em cima se difundissem mais os instrumentos de corda, dando origem, por exemplo, ao blues, semente do rock and roll. Cá em baixo, essa gente bronzeada mostra seu valor com ritmos cuja espinha dorsal é formada por instrumentos de percussão: o samba, o mambo, a rumba, a salsa, etc...

De lá pra cá, muitas coisas mudaram. O curso do tempo diluiu as proibições verticais, permitindo a gradual fusão das multifárias influências rítmicas. Mas algumas outras coisas vê-se que não mudarão tanto: nas palavras de Marcelo Yuka: “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. Mas - assim como o todo é mais do que a soma de suas partes - a música não é meramente a junção seqüencial e harmônica de diversas notas musicais. É, e sempre será, sobretudo, uma das mais inatas e inexpugnáveis formas de expressão da liberdade.

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com