sexta-feira, 5 de junho de 2009

AS ASAS DA LIBERDADE*

Won't you help to sing these songs of freedom? 'Cause all i ever have: redemption songs”. Os preciosos versos de Robert Nesta Marley tratam da música como forma de aliviar a dor de ser arrancado a fórceps de sua África natal e distribuído ao novo mundo reduzido à condição de ferramenta, escravo.

Os colonizadores da América do Norte receberam negros oriundos de regiões situadas ao norte da África - hoje Senegal, Congo e Gana, entre outros - enquanto a "nós" da America Latina couberam os negros vindos de regiões mais ao sul do continente africano, onde hoje situam-se países como Moçambique e Angola. Toda a mão-de-obra escrava, já em suas terras de origem, usava a música como forma de transmissão oral de sua tradição cultural e, agora, na condição de escravos, sua musicalidade convertida em “peças de resistência” trazia alivio (ao menos ao espírito) ao exaustivo trabalho com a usual entoação de work songs, cantadas em uníssono por escravos nas condições ilustradas pela imagem acima. O filme "E aí, meu irmão cadê você?" dá uma idéia de como isso ocorria.

Curioso é que, mesmo nas folgas, a rigidez da colonização protestante britânica proibia os escravos da utilização de instrumentos de percussão e sopro, temendo que pudessem (e poderiam!) ser usados como forma de arregimentação de escravos acabando por oxigenar indesejáveis rebeliões. Já a colonização católica latina, não proibira a batucada dos escravos, desde que o fizessem reservadamente. Isso, aliado a outros fatores, fez com que lá em cima se difundissem mais os instrumentos de corda, dando origem, por exemplo, ao blues, semente do rock and roll. Cá em baixo, essa gente bronzeada mostra seu valor com ritmos cuja espinha dorsal é formada por instrumentos de percussão: o samba, o mambo, a rumba, a salsa, etc...

De lá pra cá, muitas coisas mudaram. O curso do tempo diluiu as proibições verticais, permitindo a gradual fusão das multifárias influências rítmicas. Mas algumas outras coisas vê-se que não mudarão tanto: nas palavras de Marcelo Yuka: “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. Mas - assim como o todo é mais do que a soma de suas partes - a música não é meramente a junção seqüencial e harmônica de diversas notas musicais. É, e sempre será, sobretudo, uma das mais inatas e inexpugnáveis formas de expressão da liberdade.

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com

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