sexta-feira, 5 de junho de 2009

THERE´S NO BUSINESS LIKE SHOW BUSINESS*



Hoje de manhã dei de cara com a revista do Globo em cima da tampa da privada. A matéria de capa é sobre a profissão de olheiro. A reportagem traça um panorama dos caça-talentos “num tempo em que todo aspirante a modelo, ator, músico ou jogador de futebol tem um vídeo no You Tube, uma canção no My Space ou um perfil no Orkut”. E acho interessante trazer um recorte dessa profissão tão necessária à “indústria cultural” numa perpectiva PANACEA anterior à existência de um mundo virtual, no qual se inclui a blogosfera.

Tupã Gomes Correia - em Rock - Nos Passos da Moda, constata que as manifestações sociais que têm na música uma maneira de difusão e identificação (citando os movimentos hippie e punk) acabam sendo digeridas pelo eficiente sistema capitalista e invariavelmente transformadas em produto. Numa engrenagem em que tudo pode ser “editado” para transformar-se em objeto de consumo, os olheiros assumem papel fundamental atuando no primeiro degrau do trinômio seleção, padronização e serialização.

Não é uma profissão contemporânea. Lá pelos anos 60, havia quem fosse pago pra fazer a ponte entre o que rolava nas ruas e os executivos das gravadoras, filtrando o que era considerado cool. Danny Fields descolou um contrato com os seus patrões da Elektra Records para ninguém menos que o MC5, Iggy Pop e os Stooges.

“Contrataram alguém de baixo nível que usava calças boca de sino, fumava baseado e tomava LSD no escritório – eu.” Definiu-se Fields pros autores de Mate-me Por Favor - Uma História sem Censura do Punk. O cara conviveu com os Ramones, os Doors, Andy Wahrol, Lou Reed e os Velvet Underground, dentre outros.

Aquilo - que, tempos depois, acabou por ser editado pelo mercado - teve suas formas mais nuas e rudes no som daquelas bandas. Numa época em que a idéia de algo como a internet seria, no máximo, uma viagem de ácido, Fields tinha de estar imerso naquele caldo espesso que veio a ser chamado de punk. Não foi a insanidade dos artífices daquela música que o impressionou. O que falou mais alto até do que a enérgica performance de artistas como Iggy Pop foi o som mesmo daquelas bandas. Não era rock n´roll, nem o blues de brancos, estava longe de ser o jazz fusion, em voga na época. Era outra coisa. E era cool. O resto é história. O mundo seria diferente se não fosse o garimpo desses olheiros.

De outro lado, o primeiro disco do Velvet Underground and Nico, foi nitidamente um projeto da turma de Andy Wahrol e sua pop-art. A estonteante Nico - muito mal comparando**, uma espécie de Loura do Tchan dos anos 60 - tinha que estar no nome da banda (algo como É o Tchan e as Sheilas) e cantar em algumas faixas, deixando o principal por conta dos verdadeiros artífices do som do Velvet, capitaneados por Lou Reed. Lou era a alma da banda, mas era meio sem graça na perspectiva de Wahrol. Não era cool. Embora não tenha sido um sucesso de vendas, em 2003, o disco foi eleito o 13.º na lista dos 500 maiores álbuns de todos os tempos da revista Rolling Stone. Wahrol e seu séquito, mais do que olheiros, eram visionários.

Com o tempo, o mercado se encarregou de colocar os discos dos Stooges nas prateleiras de rock das lojas, a capa do disco do Velvet em primeiro na lista da revista Bizz para as cem melhores capas de todos os tempos (2005) e o penteado moicano na cabeça de "punks fundamentalistas", como Léo Moura.

Exatamente como Tupã constatou, “tudo volta a ser como antes. Menos uma coisa: as letras das músicas anteriores. Elas continuarão a ser um registro e algo que não foram sequer no tempo de sua criação: um espelho das suas insatisfações, das angústias, das ansiedades e a história expressiva da geração que os produziu”.

Pra se ter mesmo uma idéia do que realmente rolou do meio para o final dos anos 60, para além dos rótulos que o mercado forjou, só mesmo estando atento às letras como as de “No Fun” ou “1969” dos Stooges; ou “Heroin”, de Lou Reed e seu Velvet Underground; ou ainda "Now I Wanna Sniff Some Glue", e "53rd & 3rd Street", ambas de Dee Dee Ramone. Barra pesada.

Os olheiros estão aí pra isso, atuando discreta e fundamentalmente na ponta do processo de editoração da indústria cultural. Caçando talentos. Ora limando-lhes a identidade, ora agasalhando-a integralmente, mas sempre para transformá-los em produto. Enquanto isso, os verdadeiros responsáveis pelo nascimento de seja-lá-o-que-for, paulatina e sistematicamente vão sendo descartados na medida em que sempre há outra bola da vez na na mira.

Na música, ao menos, resta a esperança de que as letras mantenham-se livres dos impiedosos tentáculos do mercado. E de que a força de seus discursos - ainda que autobiográficos e rasos - venha sempre a resgatar a humanidade arrancada, colherada a colherada, no processo iniciado pelo assédio magnético e dissimulado dos olheiros. Mas para o show business toda a palavra não é mais do que mera panacéia. O som da caixa registradora só não fala mais alto do que o estampido de um tiro. Será?

**A biografia de Nico, a começar pelo apelido que lhe foi dado por Andy Wahrol (anagrama de Icon), é incomparável com as de Carla Perez ou das Sheilas. Confere só: http://smironne.free.fr/NICO/bio.html

Fotos: À esquerda: Léo Moura. À direita: Kurt Cobain.

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 8 de Setembro de 2008

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