sexta-feira, 5 de junho de 2009

HEROÍNA*

“To all the kids with heroin eyes,
Don't do it, don't do it.
Because it's not not what it seems,
No no it's not not what it seems.”
Salvation (The Cranberries)

Acabo de ler “Uma Temporada no Inferno Com os Rolling Stones”, livro de Robert Greensfield que narra o processo de criação de um dos mais cultados e controversos álbuns da banda (Exile on Main Street). Reunidos numa suntuosa mansão em Villa Nellcote, na Riviera Francesa, os Stones - mais especificamente Keith Richards – e seus amigos, vão mais abusar de tudo aquilo que “altere a percepção” do que propriamente gravar um disco. Está tudo lá no livro, sem censura.

Segundo a Wikipédia, “A heroína ou diacetilmorfina é uma droga opióide natural ou sintética, produzida e derivada do ópio, extraído da cápsula (fruto) de algumas espécies de papoula”, mas diversos dos mais geniais artistas de quaisquer gêneros musicais a definiriam de outra forma.

A droga (heroína, metadona ou morfina) levou para a cova muita gente boa. Da música maldita enterrou, dentre outros, Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Dee Dee Ramone, Johnny Thunders (guitarrista do New York Dolls), além de Sid Vicious - que apesar de não ser lá essas coisas todas com o instrumento entra na lista pelo carisma e pelo folclore de sua indomável pessoa.

Do lado “sofisticado” da música, ninguém menos que Billie Holiday morreu aos 44 anos por overdose de heroina. Embora não tenham morrido de overdose, Charlie Parker, Ray Charles e Chet Baker, entre inúmeros outros jazzistas de reconhecida expressão e talento, tiveram sua vida e carreira afetadas pela droga, o que pode ser constatado nos filmes “Bird” e “Ray”, bem como no livro “Memórias Perdidas”, respectivamente sobre cada um dos músicos. Também o saxofonista John Coltrane teve problemas com a heroína. Na improvisação do jazz a substância era tida como o elixir da criatividade.

Por outro lado, não fosse a fuga de Stan Getz das drogas, jamais teria conhecido a bossa nova de Tom Jobim e João Gilberto, o que lhe rendeu alguns álbuns em parcerias com músicos brasileiros ou com canções destes (relançados num box intitulado The Bossa Nova Years), dentre os quais o imperdível Getz/Gilberto. No Brasil a droga jamais chegou, talvez pelo alto custo e pelo poder destrutivo, o que a torna "comercialmente" inviável.

Recentemente, a editora Larousse lançou por aqui o livro do baixista do Mötley Crue, Nikky Sixx, cujo título fala por si: "Heroína e Rock N` Roll: Diário de um ano devastador na vida de uma estrela do Rock". Esse eu ainda não li. Apesar de ter curtido o Crue durante algum período de minha adolescência perturbada, em termos de bastidores prefiro assistir os vídeos caseiros de Tommy Lee (baterista da banda) trepando com Pamela Anderson (ela mesma!) a ler um livro de 400 páginas para saber como foi duro para Nikky Sixx livrar-se do vício.

Hoje, Amy Winehouse continua sua batalha contra as drogas, entre elas a heroína, que a cantora afirma jamais ter injetado, só inalado. Básico. Quem viu Pulp Fiction tem uma ideia do que pode acontecer com a incauta inalação de heroína. Parece que, enfim, ela deixa de brandir "no no no" para a "rehab"...

Diversas músicas foram gravadas tendo a droga como referência. Ora de forma velada, ora explícita, deixam ver a relação entre o vício e o viciado, por assim dizer. Lou Reed canta a fuga da realidade em “Heroin”. Já Dee Dee Ramone, foi menos explícito em “Chinese Rocks”. Há quem diga que “Brown Sugar”, dos Stones, seria uma homenagem à droga, mas talvez seja apenas inocentemente dedicada a mulatas sensuais. Algumas músicas do Nirvana, como "Pennyroyal Tea", são vistas como metáforas sobre a heroína, já que Kurt dava seus picos com certa regularidade.

Seja lá como for, a heroína, por seu efeito drástico e devastador, mais do que qualquer outra droga, deixou sua cicatriz no mundo da música, mais na vida dos músicos do que na música em si. Segundo Keith Richards, “...a heroína é o grande lance. (...) Coloca todo mundo no mesmo lugar. Sou um megaastro, mas quando quero a parada, rapaz, fico no fundo do poço como todo mundo.”

Pra fechar essa overdose verbal, vale destacar um trechinho de “Coração Envenenado”, auto-biografia de Dee Dee Ramone, que bem demonstra o poder da agulhada ao narrar uma experiência com Sid Vicious:

“Sid tirou do bolso uma seringa horrível, com sangue endurecido na agulha. Dei a ele um pouco do speed e ele botou na seringa. Aí colocou a seringa na privada e puxou água para dissolver o speed a frio. A água estava cheia de vômito, mijo e ranho. Sid não parecia ver nada de anormal naquilo. Parecia que sua principal preocupação era se injetar e que estava disposto a qualquer merda por aquele pico. ‘Agora já vi de tudo’, pensei. (...) Quando percebi, Sid estava no chão, tendo convulsões. Uma espuma verde saía da boca dele. Os olhos estavam quase pulando para fora da cabeça. (...) No dia seguinte encontrei Sid. Os Sex Pistols estavam tocando perto de Londres, num teatro deprimente em alguma faculdade...”

Como se vê, para alguns, e pelo menos por algum tempo ainda, a vida continua. Sid morreu no dia 2 de Fevereiro de 1979, após uma festa pra comemorar sua saída da cadeia. Ele tinha 21 anos e foi vencido por aquilo que carregava no próprio nome, o vício

*coluna originalmente publicada em www.malditafutebolclube.blogspot.com em 23 de Janeiro de 2009

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